E vamos, mais uma vez, analisar uma letra de música. Trata-se de Marina, de Dorival Caymmi, escrita em 1947.
Marina
Marina, morena / Marina, você se pintou
Marina, você faça tudo / Mas faça um favor
Não pinte esse rosto que eu gosto / Que eu gosto e que é só meu
Marina, você já é bonita / Com o que Deus lhe deu
Me aborreci; me zanguei / Já não posso falar
E quando eu me zango, Marina / Não sei perdoar
Eu já desculpei muita coisa / Você não arranjava outro igual
Desculpe, Marina, morena / Mas eu to de mal
Marina, morena / Marina, você se pintou
Marina, você faça tudo / Mas faça um favor
Não pinte esse rosto que eu gosto / Que eu gosto e que é só meu
Marina, você já é bonita / Com o que Deus lhe deu
Me aborreci, me zanguei / Já não posso falar
E quando eu me zango, Marina / Não sei perdoar
Eu já desculpei muita coisa / Você não arranjava outra igual
Desculpe, Marina, morena / Mas eu to de mal
De mal com você / De mal com você.
- “Não pinte esse rosto que eu gosto / Que eu gosto e que é só meu”.
O verbo gostar pede a preposição DE. Quem gosta, gosta DE alguma coisa ou DE alguém. Portanto, o verso devia ter sido escrito – não sou músico, mas acho que não seria viável, musicalmente falando – da seguinte forma: “Não pinte esse rosto DE que eu gosto / DE que eu gosto e que é só meu”.
- “Me aborreci; me zanguei / Já não posso falar”
A norma culta ainda não admite a construção de frases iniciadas com os pronomes do chamado caso oblíquo: me, te, ti, si, etc. Assim, o verso ficaria da seguinte forma: “Aborreci-me; zanguei-me / Já não posso falar”.
- “Eu já desculpei muita coisa / Você não arranjava outro igual” / Desculpe, Marina, morena / Mas eu to de mal”
Quem desculpa (desculpar = tirar a culpa), desculpa a si mesmo, desculpa alguém ou pede que alguém o desculpe. Nunca podemos desculpar as coisas, ‘muita coisa’. Podemos desculpar, isto sim, alguém por muitas coisas. É comum, por exemplo, as pessoas, quando chegam atrasadas a uma reunião, falarem mais ou menos desta maneira: “Desculpe o atraso”. Errado! Não podemos desculpar (tirar a culpa) do atraso. Podemos nos desculpar (ou desculpar alguém) pelo atraso. “Desculpe-me, Marina, morena / Mas eu to de mal”.
- “To”.
Obviamente, ‘to’ é uma licença do poeta para ‘estou’. Por que a palavra não está acentuada, já que é uma oxítona terminada em ‘o’? Exatamente porque não é uma ‘palavra’ real, mas somente uma forma de expressão do poeta.
- Por último, a palavra MAL.
Mal ou mau? Vejam. Quando ‘mau’ puder ser substituído por ‘bom’ deve ser escrito com ‘U’. Quando ‘mal’puder ser substituído por ‘bem’ deve ser escrito com ‘L’. ●